quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Dificuldades de leitura e escrita (2)

É a jovem mais crescida do grupo, mas, porventura, a que apresenta maiores dificuldades, não domina minimamente a técnica da leitura e da escrita. 
Esteve novamente comigo, aliás, tem estado todos os dias. Costuma ir à escola de manhã e à tarde está comigo, começa o trabalho contra feita, mas depressa se entusiasma, tem consciência das dificuldades, às vezes, desespera. 
Naquele dia, inesperadamente, começou a chorar. É tão difícil ver alguém chorar! É impossível de descrever o que senti, quando a vejo soluçar, parece-me tão desprotegida, tão frágil, tão sozinha, tão sofrida por dentro... 
Estas crianças quase já não choram. Ali, ficam, num certo abandono que é um misto de cansaço e de descrença, entre pensamentos que não descortino, como se algo as atingisse no mais íntimo de si mesmas, sem poderem fazer seja o que for.



quarta-feira, 27 de setembro de 2017

As dificuldades de leitura e escrita

Quase já não há meninas no colégio, uma a uma, vão indo embora, logo que terminam os exames. Vão de férias grandes, as que podem, muitas regressarão para o novo ano letivo, no final de Janeiro. 
Hoje, uma jovem da Beira, viajou para a sua terra, estava tão empolgada! Disse-me: dormi tão pouco! 
Esteve comigo durante alguns dias para recuperação da leitura e escrita, recuperou alguma coisa, mas não sei se consolidou a aprendizagem, falta um trabalho sistemático;  o trabalho que posso fazer é muito desorganizado, muito partido, sem material de apoio,  sem livros, a não ser o das jovens, mas que não ajuda nada porque elas lêem de cor de trás para a frente.
Eu que deixei o meu trabalho no ensino básico há tantos anos, tenho de fazer um esforço de memória para inventar frases, pequenos textos, exercícios. 

domingo, 24 de setembro de 2017

Viagem de machimbombo, para Inhambane

Junto aos autocarros, machimbombos, vende-se de tudo: bolachas de todas as qualidades, água, pão, capulanas, utensílios vários, produtos de higiene, um sem número de coisas, e um sem número de vendedores que parece não acabar; há sempre mais um que eleva os braços mostrando a mercadoria a quem se prepara para viajar.
Há um mercado de rua a funcionar, é a sobrevivência mais absoluta, são quase todos jovens, mas também há mulheres. Mulheres com bacias à cabeça com garrafas de água; aparece alguém a quer vender catanas, algo insólito ou talvez não, muitos vão para o campo e talvez sejam necessárias.
É manhã cedo, mas tudo decorre como se estivessem pouco despertos, quase não falam.  Não há conversas, apenas, o indispensável para fazerem os negócios.
Quero comprar uma garrafa de água, mas não percebo bem.  Sou ajudada pelo senhor sentado no banco à minha frente.Todo o quotidiano e todas as conversas decorrem num dialecto que me é estranho, que não compreendo. Mas não sei por quê nunca me senti estranha. Sinto desde o primeiro momento que são pessoas boas, o que venho a confirmar em outras situações.

sábado, 23 de setembro de 2017

Chegada a Maputo

Apanho um táxi. Na avenida do aeroporto, há comércio, ao longo de toda a estrada, há oficinas e bancas sem fim, onde tudo se vende e se compra, num emaranhado de pessoas e de produtos que, aos os meus olhos, é caótico. 
Para lá destas margens, vislumbra-se um labirinto de casas, de insalubridade, de precariedade…, dizem-me que choveu no dia anterior e por isso há lama, poças de água… quando não, há pó, poeira. Uma África que bem conhecemos ao virar de cada esquina.
Três meninas recebem-me na missão de S. José de Lhanguene, são do internato Maria Clara, meninas órfãs, abandonadas, para quem restou a ajuda das Irmãs, depois das malfeitorias da vida. Sem outro apoio, crescem, vivem e fazem-se adultas. 

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Retomo este blog, depois de muitos anos

Deixei de escrever neste blog, porque a sua abertura coincidiu com a minha leitura do livro de Ingrid Betancourt "Até o silêncio tem um fim", sobre os mais de seis anos na selva colombiana. Há partes e descrições impressionantes,  mas, por vezes, ficamos a pensar até que ponto é legítimo falar, com  o pormenor e a subjectividade (inevitável) com que o faz, dos companheiros de cativeiro, por exemplo, de Clara Rojas (também li o seu livro e não fiquei com a mesma sensação). 
Senti um problema de consciência : até que ponto é justo falar de pessoas de forma tão direta, nomeando, descrevendo, opinando...?
Talvez, não seja, sobretudo, se de alguma maneira criar algum desconforto a terceiros. Vou evitar que isso aconteça, neste meu regresso aos textos que escrevi e guardo desde então.
Regresso à minha experiência humana, em Inhambane, Maputo e outros lugares de Moçambique.